sábado, setembro 04, 2004

QUE GRANDE CONFUSÃO...

Quando os hebreus chegaram à região da Palestina, por volta do ano 2.000 a.C., ali já viviam os filisteus, ancestrais dos árabes. Com a decadência dos reinos de Judá e Israel, as populações locais foram dominadas sucessivamente por assírios, caldeus, persas, gregos e romanos. No início da era cristã, os judeus foram derrotados pelos romanos, iniciando-se a Diáspora Judaica. No século VII, com o surgimento do Islão, as populações locais foram islamizadas e quando os turcos otomanos chegaram, toda a região da Palestina já se encontrava sob o domínio dos muçulmanos que controlavam inclusive os lugares sagrados, Meca e Medina em Hijaz (Península Arábica), e Jerusalém e Hebron, na Palestina. Com o fim do Império Otomano, no final da I Guerra Mundial, a Inglaterra obteve da Liga das Nações um mandato para administrar a Palestina e o Iraque. Apesar de espalhados pelo mundo, os judeus jamais perderam a esperança de voltar à Terra Prometida. Esta possibilidade começou a materializar-se com o surgimento do sionismo, um movimento criado por Theodor Hezl, no final do século XIX e que pregava o retorno ao Sião, nome bíblico de Canaã, a Terra Prometida. Em 1917, Lord Balfour, o secretário inglês para Assuntos Estrangeiros, fez publicar a Declaração Balfour, em que apoiava a imigração de judeus para a Palestina e o estabelecimento de um "lar nacional para o povo judeu" na região, afirmando que "nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes" - numa referência aos árabes, que, então, representavam 92% da população. A "Declaração Balfour" foi interpretada pelos líderes sionistas como um apoio à criação de um estado judeu soberano e tornou-se a base do apoio internacional para a formação do moderno estado de Israel. Nas décadas que se seguiram, dezenas de milhares de judeus fixaram-se na Palestina, na sua maioria oriundos da Europa, movidos pelo ideal do sionismo. O estímulo sionista à imigração judaica, as vacilações britânicas para contê-las e a perseguição nazi fizeram aumentar o número de judeus na Palestina, criando áreas de tensão com a população árabe local. Em 1922, os judeus representavam 11% da população, e em 1949 eram mais de 30%. Cerca de 20% da terra cultivada pertenciam a um Fundo Nacional Judaico, em nome do povo judeu. A eclosão da II Guerra Mundial manteve o problema em suspenso, e a imigração de judeus para a Palestina foi praticamente interrompida. No final da guerra, foi criada a Liga Árabe que, entre os seus objectivos, tinha a defesa da causa palestina. Os judeus europeus, traumatizados com os massacres nazis, sentiam a necessidade de criar um estado. A Inglaterra tinha consciência de que a criação desse estado na Palestina encontraria forte objecção por parte dos árabes. Os Estados Unidos, que emergiam da guerra como uma nova potência e sob a pressão do sionismo, usaram a sua influência em favor da causa sionista, que se resumia na criação de um estado judeu e na imigração de um contingente maior de judeus. Em 1947, a Inglaterra decidiu submeter a questão às Nações Unidas, que aprovou a partilha da Palestina entre árabes e judeus. Com a aprovação do plano pela Assembleia Geral da ONU, em 14 de maio de 1948, a Inglaterra retirou-se da Palestina e os judeus proclamaram o Estado de Israel, que foi imediatamente reconhecido pelos EUA e Rússia. Os árabes da Palestina e dos vizinhos, Egipto, Jordânia, Iraque, Síria e Líbano, inconformados com a decisão, declararam guerra ao recém criado Estado de Israel.

Com a vitória de Israel em 1949, novas fronteiras foram estabelecidas. Cerca de 75% da Palestina foi incluída dentro das fronteiras de Israel; uma faixa de terra ao sul, que ia de Gaza até a fronteira com o Egipto ficou sob controle do Egipto; o restante do território foi anexado pelo reino hashemita da Jordânia. Jerusalém foi dividida entre Israel e Jordânia. O estado árabe-palestino deixou de existir. Quase 2/3 da população árabe deixou suas casas e tornou-se refugiada. Centenas de milhares de palestinos emigraram para os estados árabes, nos quais passaram a viver em acampamentos precários e os que permaneceram, ficaram na condição de refugiados em sua própria pátria. Jerusalém, dividida entre cristãos, judeus, e muçulmanos, tornou-se pólo de conflitos que se estendem até os dias actuais. Os conflitos tornaram-se endémicos e a guerra eclodiu mais de uma vez, em 1956, 1967 e 1973, sendo a mais importante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel incorporou a península do Sinai e a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e o território sírio das Colinas do Golã e intensificou sua política de construção de assentamentos para colonos judeus imigrantes. Quanto aos cidadãos árabes de Israel, embora usufruíssem de direitos políticos, eram considerados cidadãos de segunda classe, não pertencendo à comunidade que se estava formando.

Por esta época, uma nova geração de palestinos crescia no exílio, principalmente no Cairo e em Beirute. Aos poucos, surgiram vários movimentos políticos, sendo o mais importante o Fatah, uma organização guerrilheira criada por Yasser Arafat, que se pretendia completamente independente dos regimes árabes, cujos interesses não fossem os mesmos dos palestinos e que pregava um confronto militar com Israel. Em 1964, com o apoio dos países árabes, foi fundada em Jerusalém a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), sob controle do Egipto, constituída a partir do Fatah e que passou a ser presidida por Yasser Arafat. A OLP era composta basicamente de membros dos exércitos do Egipto, Síria, Jordânia e Iraque. O Fatah começou a agir dentro de Israel. A população israelita continuava a crescer por força da imigração. Em 1967, do total de 2.3 milhões de habitantes, os árabes representavam 13%. A economia crescera em razão da ajuda americana e por causa da contribuição financeira de judeus do mundo inteiro e também por causa das reparações de guerra da Alemanha. Israel sabia que era mais forte militar e politicamente do que seus vizinhos árabes.

A guerra de 1967 foi o ponto decisivo. A conquista de Jerusalém e o fato de que os lugares sagrados para muçulmanos e cristãos estavam agora sob controle israelita trouxe uma outra dimensão para a crise. A guerra mudou o equilíbrio de forças no Médio Oriente. Estava claro que Israel era mais forte militarmente do que qualquer aliança entre estados árabes e isso mudou a relação de cada um deles com o mundo exterior. Para os árabes foi uma derrota e para os palestinos representou uma nova leva de refugiados. Nos anos seguintes o mundo ignoraria a situação dos palestinos até que, em 1974, Yasser Arafat foi, pela primeira vez a ONU, formalizando, assim, a representação política do povo palestino.

A Intifada foi a primeira manifestação dentro dos territórios ocupados a abalar de forma duradoura a rotina da ocupação israelita, iniciada em 1967. A visita de Ariel Sharon à Esplanada das Mesquitas detonou uma nova crise que já está sendo chamada de segunda intifada e que já se anunciava de há muito tempo e cujas consequências agora são imprevisíveis.
Quem quer que visite a Faixa de Gaza, pode perceber as razões para o descontentamento dos palestinos. Com uma população de mais de 1 milhão de habitantes, a Faixa de Gaza, chamada de "Soweto de Israel" (referência ao gueto da África do Sul), não é um estado e não foi anexada a Israel. (uma faixa de terra situada entre o deserto de Negev e o mar Mediterrâneo, que mede 46 km de de comprimento e 10 km de largura, aproximadamente.)

Algumas das piores condições de vida estão no Acampamento de Dehaishem. Segundo o New York Times, "Quase 10.000 refugiados palestinos, quase todos muçulmanos, vivem em menos de 1 milha quadrada de terra, amontoados em barracos que formam becos salpicados de sucata de carros velhos, velhas bobinas de fio e lixo. Eles são refugiados há 52 anos, e muitos deles ainda guardam as chaves de suas casas que foram forçados a abandonar, na luta que se seguiu á criação de Israel."

Apesar de todos os encontros que se realizam desde 1991, continuam sem solução questões como o status de Jerusalém, reivindicada como capital tanto por judeus como por palestinos, e a questão da diáspora palestina. A grande maioria dos 5 milhões de palestinos vive dispersa pelos países árabes em terríveis condições de vida ou em territórios ocupados por Israel na condição de refugiados em sua própria pátria. E subsiste o ódio, alimentado por décadas de violência, que se expressa em actos terroristas de ambos os lados, como no caso do assassinato do líder israelense Yitzhak Rabin, praticado por um judeu de extrema direita, indignado com a perspectiva de um acordo que pudesse vir a reconhecer direitos mínimos aos palestinos.

Por outro lado, a responsabilidade pela tragédia do povo palestino não pode ser creditada única e exclusivamente ao sionismo. Na verdade, os países árabes jamais chegaram a um acordo quanto à forma de actuação em relação a Israel, desde a aprovação do plano de partilha da Palestina. A última reunião de cúpula da Liga Árabe, realizada em Sharm-al-shair, revelou as enormes contradições internas na busca de uma solução unificada para a Palestina.

O poder das famílias tradicionais dos países árabes também já não consegue mais conter a revolta que vem das populações que anseiam por liberdade e independência e exigem uma retoma do compromisso de defesa da causa palestina, compromisso esse assumido por ocasião da criação da Liga Árabe. O que se espera é que a solução que venha a ser encontrada não exclua o povo palestino, que já perdeu tudo o que podia e o que tinha a perder.


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